Seriam cerca de quatro horas da tarde quando Nestor chegou. O Primeiro Mestre Jaguar costumava sempre chegar à noitinha ou então depois da janta. Nesse dia o “expediente” de Neiva estava realmente cheio. Nestor ficou num canto do “sétimo”, como era chamada a sala-escritório-dormitório de Neiva. Estava realmente difícil conversar com “a chefe” nesse dia. Pessoas entravam e saiam ininterruptamente, apesar do controle dos “porteiros” e da vigilância do seu Mario. Pensava Nestor: esse é realmente o maior problema do Vale. Todo mundo quer falar com Neiva e, apesar da inesgotável paciência dela não consegue atender a todos”. Nisto entrou um casal com aspecto de roceiros e trazendo pela mão uma mocinha de quinze anos, magra e visivelmente doente. Nestor prestou atenção na “consulta” e ficou vivamente impressionado. A mocinha tinha agulhas, pregos e outras coisas de metal que “apareciam” no seu corpo e quanto mais tirava, mais aparecia. Neiva olhou, falou muito pouco, chamou um dos Avaganos que faziam papel de porteiros e mandou que fosse feito um trabalho no Templo.

Despachou os três afirmando que a mocinha iria ficar boa e que os objetos estranhos iriam parar de aparecer. Tão pronto saíram e Nestor perguntou: “Tia, a senhora acha que ela vai mesmo sarar?, e esses objetos, de onde vem?, como pode acontecer?” Magnético animal, fluído, ectoplasma, carma pesado. É isso aí, Nestor. Onde quer que a moça passe os objetos metálicos de pouco peso são atraídos e penetram no seu corpo. Naturalmente existe uma falange de espíritos cobradores ajudando o fenômeno. Mas a base é a mesma de qualquer outro fenômeno ectoplasmático só que agravado. Se conseguirmos aliviar um pouco a carga do magnético ela vai melhorar, se também conseguirmos retirar os cobradores ela pode sarar. Se ela desenvolvesse a mediunidade seria uma grande Médium. Mas não sei, tudo depende do que eles irão fazer com ela depois que saírem daqui. Mas a senhora viu as agulhas no corpo dela?. Vi uma ou duas. Como disse o Mendonça há muito tempo atrás, eu tenho raios X nos olhos. O Mendonça?, quem era ele? Deixe que lhe conto. Certo dia chegou a minha casa a esposa do Mendonça, um dos engenheiros da Novacap e muito meu amigo. A mulher estava com um ar muito aflito e foi logo me dizendo: “Neiva, acho que estou com uma agulha enfiada aqui no braço esquerdo”, e me mostrou o braço que parecia realmente um pouco inchado. Como, disse eu, você disse que tem uma agulha aí? Sim, disse ela, eu estava provando um velho vestido que estou fazendo, senti cansaço e me deitei um pouco e, sem querer por cima do vestido. Estranhamente adormeci, embora tivesse sentido a picada quando a agulha penetrou no braço. Acordei, continuei minhas tarefas e só fui pensar no assunto quando a dor, já de noite. Agora a dor já saiu do braço, está aqui, perto da clavícula e eu estou apavorada. Olhei para o Mendonça e vi que ele também estava preocupado pois conhecia os casos que se contavam a esse respeito; diz-se que a agulha percorre o corpo todo e que quando atinge o coração a pessoa morre. O Mendonça era muito meu amigo. Eu costumava transportar o pessoal da topografia da Novacap e foi assim que nos conhecemos. Quando começaram as manifestações da minha clarividência o Mendonça me ajudou muito, principalmente em relação aos meus filhos. Ele sempre tinha uma palavra de carinho e dava um ar de seriedade onde todo mundo dava apenas palpites e ainda por cima negativos. Ele era espírita cardecista e tinha a mente aberta. Mas o mais importante é que ele acreditava em mim.

“Tia, a senhora deve ter passado por muitas experiências desagradáveis, nesse tempo. Dá para a senhora dizer alguma coisa sobre isso?” Espera Nestor, deixe acabar de contar a estória da agulha. Dei uma olhada na mulher e, mesmo por baixo da roupa, vi a agulha no peito dela, colocada superficialmente. Mostrei o local e eles se encaminharam imediatamente para o hospital. Neiva, disse o Mendonça quando se despediram se cuide bem, você tem um raio X nos seus olhos. Mais tarde me trouxeram a notícia de que a agulha havia sido retirada sem maiores problemas. Com relação as minhas experiências desagradáveis, é verdade Nestor, elas foram muitas. Hoje eu compreendo a tudo e a todos. Mas naquele tempo, realmente as coisas me magoavam. Você pode imaginar. Nestor, eu voltando de um transe em que permaneci totalmente inconsciente, sentir dor no braço e ver que fui queimada com charuto aceso como teste? Mas Tia, eu não entendo, porque haveriam de fazer testes com a senhora; não bastavam as provas que a senhora já dera, como, por exemplo, o caso da agulha? Nestor, meu filho, para você entender o que se passava é preciso que saiba a posição do espiritismo aqui na Brasília da Cidade Livre. Havia alguns terreiros e alguns centros cardecistas e o meu caso, no princípio foi confundido com manifestações umbandistas. Não havia experiência alguma com a clarividência, nem mesmo aquela da parapsicologia que naquele tempo era ainda incipiente no País. Bem, Tia, acho que entendo, aliás, até hoje não creio que ela seja entendida. Sim, Nestor, por aqueles que entram em contato comigo, ela é entendida. Mas você se lembra o que lhe disse no começo de nossas conversas: Não basta a minha clarividência para que o mundo entenda as nossas mensagens; é preciso todo nosso ritual, o colorido, as construções, as iniciações. Naquele tempo, Nestor, ainda havia o agravante da euforia da construção de Brasília, as pessoas aqui estavam na base de aventuras de ganhar dinheiro, de trabalhar, fazer comercio, mudar de vida e de ambiente. Tudo era mais ou menos improvisado, em barracos rústicos e clima de aventura. O espiritismo predominante refletia o ambiente. Eu acho que o Pai quis que fosse assim, para que eu não “nascesse” com vícios mediúnicos que seriam incompatíveis com a nossa missão. Por isso Nestor, você pode reparar que desde o começo as coisas que foram registradas , com as poucas coisas escritas, servem até hoje e todos os registros obedecem a uma linha harmoniosa, nunca tendo havido uma só contradição entre o que foi ensinado e o que está sendo ensinado.

Num certo sentido essas adversidades foram muito boas para mim. Muito cedo eu desisti de querer ser entendida pelos homens e me voltei para os amigos espirituais. Mas a própria missão exigia e eu tinha que me subordinar aos amigos encarnados circunstantes, o que, aliás, me ensinou as principais lições. “Parece Tia, que através do que a senhora está me dizendo a gente pode entender um pouco do que acontece hoje com Médium principiante” Pois é, meu filho, eu estava na maior confusão quando mãe Neném apareceu. Ela era uma senhora, tipo da matrona, daquelas que inspiravam confiança, pela autoridade que exercia. O único problema era sua formação cardecista que não aceitava Pretos Velhos nem Umbanda. Isso me trouxe maior insegurança. Sua primeira medida foi convocar um médium muito conceituado o qual chegou com muita autoridade, na condição de árbitro. Seu nome era Cisenando e tão logo ele se familiarizou comigo condenou as minhas maneiras bruscas de agir e não gostou de certas entidades que se manifestavam por mim. “Neiva, dizia ele, vamos afastar essas entidades, é para o seu próprio bem, vamos fazer uma reparação para você não ficar louca e ir parar num hospício”. Entre as “entidades” que ele pretendia afastar estava o Cacique Guerreiro Tupinambás. Fiquei muito triste quando soube que esse espírito iria subir e lembrei logo de falar com Mãe Yara. Entre as providências que Mãe Neném havia tomado para o meu desenvolvimento, estava a reserva de um canto da casa para os trabalhos espirituais. Dirigi-me para esse canto com a intenção de ouvir Mãe Yara e lá estavam Mãe Neném e o Cisenando. Tomei o maior susto pois percebi que não contavam com minha presença, e o pior é que o Cisenando estava incorporado e, para meu maior espanto, com Mãe Yara! E pela boca desse médium, ela dizia: “Os espíritos de pouco desenvolvimento espiritual, que entram neste mundo, permanecem nas proximidades da terra, na atmosfera densa, na escuridão. Eles são chamados de espíritos sofredores e sua maior função é atrapalhar o trabalho missionário dos trabalhadores da última hora. Neném ensine Neiva a assimilar as suas visões. Faça com que ela retorne a sua segurança, para a grande obra que vocês duas terão que levantar. 

A mente é o reflexo da alma, que é o nosso verdadeiro “eu”. Fez um silencio e continuou: Neném, esses espíritos são de umbanda, tenha todo cuidado. Se for possível volte para Goiânia. Saia depressa sem ser vista. Custei a acreditar no que acabara de ouvir. Meu Deus!, como podia ser, esse espírito que falava tão bem, que já ouvi tantas vezes como Dona Yara ou Mãe Yara e agora se dizia o Amigo de Sempre e falava tão mal, tão negativo, e ainda por cima criticando o Cacique Guerreiro Tupinambás que eu já estava gostando tanto. Na minha insegurança e falta de conhecimento doutrinário voltei a estaca zero. Minha revolta já não tinha limites, me virei contra todo mundo e não sabia para que lado me voltar. Comecei a incorporar sofredores e o pior, você sabe não é Nestor, e o pior era minha inconsciência. “Sim, Tia, sei que a senhora é totalmente inconsciente e que tem até um pedido seu feito ao Pai para que nunca saiba o que saiu pela sua boca. Mas, me diga, além da senhora existem outros médiuns inconscientes?” Nestor, nesse ponto o Tumuchy é intransigente e afirma peremptoriamente que não existe inconsciência mediúnica além da minha. Eu não discordo dele mas não vou tão longe. Acredito que possa haver exceções, pois no mundo de relações entre o céu e a terra tudo é possível. Agora, realmente eu concordo com ele quando diz que o problema é biológico e não moral. De fato, o próprio mecanismo da responsabilidade humana, o ser humano considerado individualmente, não condiz com a inconsciência mediúnica. Em nosso quotidiano nós temos comprovado isso quando vemos até obsediados em fase de convulsões se desviarem de obstáculos, não se machucarem etc.

“Mas então Tia, desculpe desviá-la de sua estória que está muito bonita, mas então como ficamos nisso, qual a nossa atitude diante dos médiuns que dão comunicações e se dizem inconscientes?. Nestor, antes de mais nada é preciso respeitar muito o médium de incorporação, o nosso Apará. Mas, realmente o que acontece é que o médium embora registre, ouça o que ele mesmo está falando, muitas vezes ele se alheia, procura não registrar, evita ser indiscreto, não quer se imiscuir na vida alheia, e acaba por realmente não se lembrar do que falou. Esse é o médium ideal, que segue o conselho de Pai Seta Branca de “comunicar sem participar”. Isso acontece principalmente com médiuns totalmente conscientes como, por exemplo, alguns que você conhece como o de Pai Nagô e Pai Zé Pedro. Bem Nestor, vê se não me interrompe. Tenho medo de não ter tempo de contar a minha história e sei que ela vai ajudar muito a vocês quando eu partir. Eu estava naquela fase triste e sem saber o que fazer, quando, um dia Mãe Yara chegou de mansinho e começou a falar no meu ouvido, e, tão logo eu a vi comecei a me desabafar. Como?! Disse eu, a senhora me disse tanta coisa bonita, me prometeu o céu e agora isso, até o Cacique Guerreiro que eu gosto tanto vocês querem afastar. “Calma, calma, Neiva. Não se esqueça que na vida, quando você está esperando o céu, a terra esta esperando por você. Sim filha, antes de você subir ao céu terá que baixar na terra. Não queira que as pessoas pensem como você. Seja imparcial no seu raciocínio e nada aceite sem entender. Não se esqueça que ninguém possui a verdade total”.

Mas, Mãe Yara, diga alguma coisa sobre esse médium, diga alguma coisa sobre o que eu vi. “Neiva, respondeu ela, você não poderá caminhar sozinha. Dê trabalho aos seus braços. Leve o consolo enxugue as lágrimas dos aflitos, ajude a todos aqueles que caminham ao seu lado, não atrapalhe para não ficar sozinha. Fique neutra em relação aquele assunto e volte à normalidade.” As palavras de Mãe Yara me fizeram refletir muito e passei uns poucos dias sem eclosões. Até que. Certo dia, cheguei a casa e encontrei minha filha, Carmem Lúcia, com um dente inflamado e a boca muito inchada. Fiquei aflita e procurei logo tomar alguma providencia, porém naquele momento alguém me puxou para traz e eu incorporei. Atirei-me contra minha filha, descompondo-a e tentando machucá-la e não sei o que mais, pois perdi os sentidos. Quando voltei a mim e soube o que havia acontecido entrei novamente num terrível conflito. Desta vez a coisa tinha sido muito pior, eu havia atingido a minha filha, que era a razão de toda minha luta, minha vida, meus filhos eram como o sangue que corria nas minhas veias. Mas, na minha vergonha e no meu orgulho, eu, já consciente nos meus sentidos, comecei a maltratá-la ainda mais.

1 Comentários

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  1. Salve Deus... Vou agradecer sempre, já não sei a quem devo agradecer se ao mestre ou a Espiritualidade Maior. Tenho que agradecer a ambos. Sempre que me encho de duvidas e as dores do espírito doem desesperadamente no meu peito. De manhã quando abro o blog exílio do Jaguar me deparo com pedaços da historia de nossa querida mãe, mostrando que nada é fácil, que foi difícil ate para ela, que era clarividente. Salve Deus não sei se acontece com todos, mas nas minhas aflições o socorro as respostas, estão me esperando no texto do dia, postado pelo mestre Kasagrande. Mestre obrigado pela sua luz, obrigada de coração, você mestre, espalha amor, luz e verdade através da rede de comunicação virtual, através da internet. Sua postagem nos fortalece e sempre chegam na hora certa. Salve Deus que a espiritualidade lhe proteja em todos os instantes de sua vida, e aumente sempre a tua luz. Salve Deus. Ninfa Lua Tagana em Cristo Jesus.

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